Primeiro relatório consolida dados sobre Tráfico de Pessoas no Brasil
Entre
2005 e 2011 a Polícia Federal (PF) registrou 157 inquéritos por tráfico
internacional de pessoas para fins de exploração sexual, enquanto que
o Poder Judiciário, segundo o Conselho Nacional de Justiça, teve 91
processos distribuídos. Os dados constam no primeiro relatório com a
consolidação das informações existentes sobre o Tráfico de Pessoas no
Brasil elaborado pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da
Justiça (SNJ/MJ), em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime (UNODC).
Os números ainda revelam que foram
instaurados no total 514 inquéritos pela Polícia Federal entre 2005 e
2011, dos quais 13 de tráfico interno de pessoas e 344 de trabalho
escravo. “O estudo mostra que o sistema de justiça criminal funciona
como um funil. Deveria ser um processo distribuído pra cada inquérito.
No caso dos inquéritos de tráfico internacional realizados pela PF e dos
processos distribuídos no poder judiciário, funciona na razão de dois
pra um”, explica o secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão.
O
relatório elaborado entre os meses de maio a setembro de 2012 recuperou
estatísticas, sobretudo criminais, sobre o tráfico de pessoas no
Brasil. Órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como o Departamento
de Polícia Federal, Departamento de Polícia Rodoviária Federal,
Departamento Penitenciário Nacional, Defensoria Pública da União e a
Secretaria Nacional de Segurança Pública, além dos organismos que
atendem diretamente vítimas de tráfico de pessoas, como a Assistência
Consular do Ministério das Relações Exteriores, foram entrevistados e
forneceram dados. Também foram ouvidos o Conselho Nacional de Justiça e o
Conselho Nacional do Ministério Público.
Quanto a prisões e
indiciamentos, no período entre 2005 e 2011, a Polícia Federal indiciou
381 suspeitos por tráfico internacional de pessoas para exploração
sexual. Desse total, 158 foram presos. Ou seja, menos da metade dos
crimes levou à punição do criminoso. O relatório aponta que há uma
dificuldade em reunir provas do crime, o que dificulta a punição. O
registro do tráfico também é dificultado pela própria legislação penal,
que é inadequada, pois prevê somente o tráfico para fins de exploração
sexual, deixando a margem do sistema outras modalidades como o tráfico
para fins de remoção de órgãos,tecidos ou partes do corpo e o tráfico
para fins de trabalho escravo.
No contexto do tráfico interno de
pessoas para exploração sexual foram 31 indiciados pela PF e 117 presos,
entre 2005 e 2010. Nesse caso o número de presos foi maior que o de
indiciados, o que pode demonstrar que há um intervalo entre o
indiciamento e a condenação. “Aqueles que são indiciados em um ano, nem
sempre serão condenados no mesmo ano, podendo haver um grande espaço de
tempo”, informa a consultora contratada para o desenvolvimento do
relatório, Aline Birol.
O estudo conclui que há uma dificuldade
dos órgãos que lidam com esse crime em registrar essas informações. “Não
há uma cultura em registrar o fenômeno, os sistemas são usados para
registrar o trabalho das instituições, mas não para registrar o número
de pessoas, de casos”, alerta a diretora do Departamento de Justiça,
Fernanda dos Anjos. Por esse motivo, o Ministério da Justiça lança uma
metodologia integrada de coleta e análise de dados e informações sobre
tráfico de pessoas.
Números do tráfico de pessoas Segundo
relatório do Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e
Justiça Criminal (SINESPJC) da Polícia Militar, houve 1.735 vítimas de
tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual, entre 2006 e
2011. A consultora Alline Birol ressalta que embora os dados de vítimas
de tráfico interno sejam maiores que os de tráfico internacional, “não é
possível apontar que haja mais ocorrências de um do que o de outro. Os
inquéritos instaurados podem referir-se a mais de um caso”, informa.
Disque Denúncia Outro
dado inédito revelado é o número de ligações de vítimas de tráfico de
pessoas recebidas pelo ligue 180 da Secretaria Especial de Políticas
para Mulheres. Em 2011 foram 35 ligações. O disque 100 da Secretaria de
Direitos Humanos também recebeu 35 ligações no mesmo ano, e as unidades
da rede de saúde (segundo dados do Ministério da Saúde) atenderam 80
vítimas de tráfico de pessoas.
“Esses dados revelam que
geralmente a polícia é o órgão mais procurado nos casos em que a vítima
tenha sofrido ameaça contra seus familiares ou agressão, e que
possivelmente nos outros casos, procure a rede de assistência. Além
disso, os números estão subnotificados, pois os casos de tráfico que
envolvem exploração sexual podem estar sendo registrados como outros
crimes sexuais, tais como o estupro, por erro de interpretação ou
desconhecimento do oficial que registra o fato”, explica a consultora
Alline Birol.
Outros dados O estudo aponta
ainda que a maior incidência do tráfico internacional de brasileiros ou
brasileiras é para fins de exploração sexual. De 475 vítimas
identificadas pelo Ministério das Relações Exteriores, entre os anos de
2005 e 2011 em seus consulados e embaixadas, 337 sofreram exploração
sexual e 135 foram submetidas a trabalho escravo.
Os países onde
mais brasileiros e brasileiras vítimas de tráfico de pessoas foram
encontradas são: Suriname, Suiça, Espanha e Holanda. O país onde foi
registrada uma incidência maior de brasileiras e brasileiros vítimas de
tráfico de pessoas foi o Suriname (que funciona como rota para a
Holanda), com 133 vítimas, seguido da Suíça com 127, da Espanha com 104 e
da Holanda com 71.
As vítimas De acordo com o
Ministério da Saúde, as vítimas que procuram os serviços de saúde são
na maioria mulheres na faixa etária entre 10 e 29 anos. Há uma maior
incidência de vítimas (cerca de 25%) na faixa etária de 10 a 19 anos, de
baixa escolaridade e solteiras.
“Os números desse diagnóstico
não revelam tendências sobre o tráfico de pessoas no Brasil. Ou seja,
ainda que haja mais ou menos registros de um ano para outro, esses
números mostram somente aquilo que desaguou nos órgãos de repressão ou
de atendimento às vitimas. Ainda temos um cenário de muitos dados
ocultos”, explica a diretora do Departamento de Justiça da SNJ/MJ,
Fernanda dos Anjos.
Perfil do traficante Dados
da PF revelam que são as mulheres em maioria as aliciadoras,
recrutadoras ou traficantes, que somam cerca de 55% dos indiciados. Já o
Departamento Penitenciário revela um número maior de homens presos por
atividades criminosas relacionadas ao tráfico de pessoas. No Ministério
da Saúde, cerca de 65% dos casos de agressão a vítimas de tráfico de
pessoas foram cometidos por homens. Finalmente, o diagnóstico revela a
fragilidade dos dados sobre tráfico de pessoas, pois há instituições que
ainda não estão preparadas para registrar esse tipo de crime,
contribuindo para a subnotificação.
Entenda o tráfico de pessoas O
tráfico de pessoas é o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da
força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao
abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou
aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma
pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.
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