São Paulo, 06 de junho de 2013.
Este MANIFESTO destaca e critica, entre outros aspectos do contexto sócio econômico e cultural brasileiro, a predominância e manutenção da explicação de acidentes como fenômenos decorrentes do erro humano. Esta iniciativa visa a contribuir para superação dessa forma anacrônica e ineficiente de pensar os acidentes.
Embora, desde a década de 70 do século passado, o
Brasil possua marco regulatório e estruturas propostas para prevenir e
controlar Acidentes de Trabalho (AT), eles se constituem no principal agravo à
saúde dos trabalhadores, com elevados custos sociais e econômicos que podem
chegar a 10% do PIB, representando aproximadamente 71 bilhões de reais ao ano
(CONJUR, 2011). Mesmo sendo, em grande parte, previsíveis e evitáveis, estes
eventos persistem e se agravam no contexto atual do capitalismo contemporâneo,
em sua feição globalizada, em que se observa intensificação da competição
internacional sob a hegemonia de modelos de crescimento e aceleração da
economia de tipo não sustentáveis, com impactos negativos no trabalho, na
saúde, no meio ambiente e qualidade de vida das populações, como ocorre no Brasil
e em outros países emergentes. É marca dos tempos modernos o ideário de
produzir “mais com menos”, menor contingente, menor estoque, menor tempo, menor
custo. Para tanto, são implantados modelos de gestão e organização do trabalho
de tipo enxuta/flexível, incrementados por tecnologias computacionais de alta
velocidade, que geram, entre outros efeitos, intensificação e maior densidade
de trabalho, além de precarização de condições e relações de trabalho. Deste
modo beiram o cinismo declarações que denominam como externalidades as
consequências de saúde, ambientais e ou sociais desse processo.
Como lado perverso da moeda, em muitos locais persistem situações de trabalho caracterizadas por flagrante desrespeito à legislação, em especial no tocante à prevenção de acidentes e mitigação de seus efeitos. Nesse cenário os acidentes constituem-se como forma de violência explícita revelando que o desafio de sua prevenção tem facetas técnicas e políticas que devem ser, ambas, enfrentadas.
A própria legislação trabalhista brasileira delega o
gerenciamento dos riscos para a gestão privada no âmbito da empresa, mediante
regulação pública que encontra dificuldades para exercer este papel. Esta
situação tem gerado ações meramente burocráticas que visam apresentar documentação
à fiscalização ao invés de buscar incidir na real minimização e controle dos
riscos, traduzindo-se na artificialidade verificada em Programas de Controle
Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), Programas de Prevenção de Riscos
Ambientais (PPRA) e mesmo das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes
(CIPA) que são desprovidas de autonomia e poder de ação. A ideologia do erro
humano está na base do modelo regulatório implantado no país desde a década de
1970 e que vem sendo modernizado ao longo do tempo de forma quase sempre
conservadora. No centro deste modelo encontram-se a naturalização, a
individualização do risco e a responsabilização do trabalhador pelas
ocorrências desencadeadoras de acidentes, sempre apontado como o elo fraco da
corrente da segurança, o descumpridor de regras, o desatento e/ou negligente
e/ou imprudente, provocando seu próprio acidente. Os comportamentos situados
nas proximidades de acidentes foram amplamente denominados de “Atos Inseguros”
e, mais recentemente vestem roupa nova sendo chamados de “atos fora de padrão”,
“não conformidades” ou por outros nomes que explicam o ocorrido como fenômeno
centrado em comportamentos da vítima ou de seus colegas.
Em 2009, após muitas críticas, debates, protestos e
lutas de trabalhadores, o Ministério do Trabalho e Emprego finalmente retirou
da legislação de Saúde e Segurança do Trabalho esta que era uma das mais
típicas figuras do entulho autoritário: o “Ato Inseguro”. No entanto os
instrumentos de reprodução e difusão utilizados pelas empresas mantêm o
paradigma jurídico da culpabilização da vítima, ancorados oficialmente na Norma
NBR 14280/2001 (ABNT, 2001). Esta Norma, que se propõe a padronizar o “Cadastro
de acidentes do trabalho – procedimentos e classificação” estabelece também uma
categorização e modelo de apuração das causas dos acidentes como sendo
provocados por três fatores: Fator pessoal de insegurança; Ato Inseguro, e
Condição Ambiente de Insegurança. Cada fator é definido e detalhado no sentido
de reduzir um fenômeno complexo e multicausal a aspectos triviais, conforme
manda a explicação enviesada e reducionista.
Como vemos ao retirar-se o “Ato inseguro” da
legislação trabalhista, muda-se para que tudo permaneça como está, pois a Norma
da ABNT continua tendo apoio governamental direto e indireto, inclusive do MTE,
e funciona como instrumento de produção de laudos e/ou peças periciais, além da
reprodução de conhecimento, formação e capacitação de técnicos e trabalhadores
em cursos de graduação e especialização.
É necessário e urgente um forte movimento para a
desconstrução e substituição da abordagem comportamentalista que deve ser
iniciado com a revisão radical da NBR 14280/2001 uma vez que ela representa a
peça principal de sustentação de noções e práticas ainda predominantes apesar
de ultrapassadas pela evolução dos conhecimentos técnicos e científicos.