terça-feira, 28 de abril de 2015

Dia 28 de Abril



                                  A luta em memória às vítimas de acidentes e doenças do trabalho
                                                     passa pela luta contra a terceirização


Maria Maeno – Pesquisadora da Fundacentro – Ministério do Trabalho e Emprego

Histórias de dois brasileiros que nasceram nos anos 1990.

Fabio Hamilton Cruz era um entre os 12 milhões de trabalhadores terceirizados existentes no Brasil. Há aproximadamente um ano, no dia 29 de março de 2014, aos 23 anos, ele morreu trabalhando em um dos canteiros das obras da Arena Corinthians, um dos vários estádios que receberam os jogadores da Copa do Mundo. Prestava serviço para a WDS Engenharias, contratada pela empresa Fast, que por sua vez era contratada pela Odebrecht.
As investigações iniciais haviam concluído, como quase sempre, que a culpa
era da vítima, que havia sido negligente. Não usava cinto de segurança e despencou de uma altura de 8 metros, segundo a Fast e de 15 metros, segundo o Corpo de Bombeiros. Depois da inspeção do Ministério do Trabalho,
constatou-se que o jovem não usava mesmo o cinto de segurança, pois como
ele era curto, o seu uso impedia a execução do trabalho para o qual havia sido
designado. A obra não tinha tampouco rede de contenção, que só depois da tragédia, foi instalada. Após o acidente, apenas a área onde havia caído foi isolada, mas os trabalhos continuaram normalmente.
Essa morte só teve repercussão até na grande mídia porque estavam envolvidas obras da Copa do Mundo de 2014. Do contrário, seria apenas mais uma morte na indústria da construção civil, responsável por 16,5% dos acidentes de trabalho fatais registrados em 2013 no Brasil.
Esse episódio é emblemático do que ocorre no mundo do trabalho, no qual o trabalhador trabalha em condições precárias, sob um ritmo intenso, tão
perto de nossos olhos mas tão longe dos nossos corações e mentes. Sequer a
sua morte é motivo para que as obras sejam interrompidas, a não ser por determinação legal, pois as mortes no trabalho são tratadas de forma impessoal, com claro recorte de classe. As mortes da construção civil, do setor
elétrico, do setor petroleiro não despertam interesse especial, ao contrário de vítimas de tragédias que envolvem acidentes aéreos ou incêndios em casas noturnas. É como se a sociedade assumisse que morrer no trabalho faz parte
do jogo, e que morrem aqueles que escolhem se submeter a riscos ou não tomam os devidos cuidados. Ignora-se que a maioria dos trabalhadores não
tem chance de escolher o seu trabalho.
As últimas notícias que tivemos após o ocorrido diziam que a mãe de Fabio havia entrado com pedido judicial de indenização. Muitos dos que leram
essa notícia podem ter pensado que, afinal dinheiro não traria o filho querido de
volta. Mais um recorte de classe, pois ações contra empresas aéreas após desastres aéreos são entendidas e apoiadas amplamente. Nada trará de volta
os sonhos de Fabio. E ele tinha sonhos? Embora ninguém tenha sequer mencionado na mídia, certamente eles os tinha, como qualquer jovem de 23
anos de idade. Talvez tenha contado alguns deles à sua mãe. Talvez não. Sheila (nome fictício), filha única de empregada doméstica, cresceu ouvindo de sua mãe que ela tinha que ter um futuro melhor. Nada de fazer faxina, lavar roupas e banheiros alheios. Para isso tinha que estudar e foi o que
Sheila fez. Quando completou o ensino médio, começou a trabalhar em uma empresa de teleatendimento que prestava serviço a um banco. Saía bem vestida de sua casa, na periferia de São Paulo, para orgulho de sua mãe.
Atendia um cliente após o outro. Alguns eram gentis, já outros gritavam protegidos pelo anonimato e pela distância. A todos tinha que “sorrir com a voz”, mesmo que o coração estivesse apertado dentro do peito. Mas valia apena, pois com o salário dava para pagar apertado uma faculdade de direito
particular. Não entendia porque tanta gente desistia e saía da empresa. O tempo passou, todos-os-dias chegando tarde em casa, ouvindo grosserias de
clientes e não conseguindo resolver suas dúvidas, tendo que atender um após
o outro, sem descanso e no meio de tudo isso, tendo que vender grande número de seguros no mês ... quem é que consegue vender seguro a um cliente que está exasperado por um problema qualquer na conta corrente?
Sheila passou a sonhar que não conseguia bater as metas, não tinha mais vontade de sair de casa nos finais de semana, e depois sequer ao trabalho tinha força para ir. A mãe, preocupada em ver a filha sem o brilho que tinha nos olhos, levou-a ao médico e ouviu dele o diagnóstico: depressão. Mas por que,
se não lava roupas e banheiros alheios, sai de casa bem vestida e não é chamada de empregada doméstica? Se precisar ficar afastada por mais de um
mês, vai ter que ser periciada para receber auxílio-doença do INSS, mas pode
ser periciada por médico contratado pela empresa, porque depois da medida provisória 664 de 30 de dezembro de 2014, o perito pode ser contratado pela empresa. Então, mesmo doença adquirida no trabalho dificilmente vai ser reconhecida como doença ocupacional. Durante o afastamento do trabalho, não vai ter complementação de salário, como o bancário funcionário do banco
tem, pois só presta serviço para o banco; não é bancária. Quando voltar para o
trabalho, estabilidade não vai ter, ao contrário do bancário que, se ficar afastado por 6 meses não pode ser demitido nos primeiros 2 meses após o retorno ao trabalho.
Se continuássemos daria para completar mais de cem histórias rapidamente, mas a ideia não é essa.
É fazer um exercício de imaginação. Se Fabio tivesse nascido em um país que prezasse pela vida dos cidadãos, ele comemoraria seus 24, 25, 26 anos e muito mais. E Sheila ... será que poderia continuar saindo bem vestida
de casa para trabalhar enquanto cursasse a faculdade?
Em nome de Fabio e Sheila, que simbolizam tantos trabalhadores brasileiros e a dor de tantas famílias, temos que sonhar e lutar para que situações como as deles não mais existam. Estudos mostram que acidentes e doenças são mais frequentes entre os terceirizados. 2015 é o ano da luta contra o Projeto de Lei 4330, contra a terceirização, quarteirização ... quem é
responsável mesmo?

(Texto recebido pelo CEREST por Maria Maeno)

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